BAIRRISMO SEXUAL
Jamais imaginei que um dia ficaria profundamente irritada com a valorização feminina. Mas confesso que não aguento mais tanta badalação baseada em nadinha de nada. Querem nos convencer a qualquer custo de que ser mulher é o maior barato, uma grande honra da qual devemos nos orgulhar. E muitas de nós estão mesmo se sentindo as tais, sem se tocar para o fato de que está acontecendo o que sempre aconteceu: continuamos a receber ordens.
A diferença é que agora nos dizem “você é o máximo”, em vez do antigo “você é um lixo”. Bem mais agradável, claro, porém talvez por isto mesmo bem mais perigoso. Porque também é mentira. Só que nesta a gente quer tanto acreditar que faz de conta que nascer com dois cromossomas X basta para tornar alguém gente finíssima.
Sou de uma época em que ninguém se surpreendia mais por uma mulher querer trabalhar e ser dona da própria vida, mas ainda não era coisa recebida com a maior naturalidade. Tanto assim que não fui contratada por um jornal carioca porque a outra estagiária candidata à vaga era solteira, enquanto eu estava de casamento marcado. Não acho que foi por isto; sei que foi porque o próprio chefe da redação me disse. Afinal, tendo marido, não precisaria de salário para me sustentar e logo ficaria grávida – palavras dele.
Relembro esta história para deixar duas coisas bem claras: 1. sei por experiência própria o que é ser vítima da velha idéia preconcebida do papel feminino e 2. mas não é por causa disto que vou aceitar alegremente a nova teoria de que somos as rainhas da cocada preta exatamente pelos mesmos motivos que até pouco tempo atrás não nos permitiam ser mais do que as rainhas do lar. Juro que tenho vontade de gritar quando alguém vem com o papo de que somos por natureza conciliadoras, sensíveis, da paz. Aonde descobriram tal traço genético em nosso DNA? Quão extenso é nosso currículo no poder para garantir que levamos mais jeito para a coisa do que os homens? Em qual cartório nossa inquestionável honestidade tem firma registrada?
Ah, mas o instinto maternal não vale nada? Pode até valer… para os nossos filhos. Muita gente boa, como a antropóloga Margaret Mead, acredita que não passa de um valor cultural opressor, endeusado para que a mulherada se sentisse valorizada e ficasse bem quietinha dentro de casa. Na base do “o que mais posso querer na vida, se tenho o privilégio de ser mãe?”. Acho que esta tese faz um bocado de sentido e com certeza não vou cair na conversa de que um fato biológico possa tornar alguém a oitava maravilha do mundo, acima de qualquer suspeita.