FRAGOROSOS FRACASSOS
(Breve crônica de vexames históricos)
A própria amante (Kay Summersby)
espalhou em suas memórias que o presidente Eisenhower era. A própria esposa
(Maria Teresa) contou numa entrevista que o presidente Goulart estava longe de
ser – “não houve uma corista do Carlos Machado que Jango não tenha traçado”.
Kant e Voltaire achavam que eram, mas cedo descobriram que não. Havelock Ellis
também achava, mas só descobriu que não era aos 60 anos. Os biógrafos garantem
que Lewis Carroll sempre foi – tanto que morreu virgem – e Bertrand Russell
teria sido só de vez em quando (seja lá o que isso signifique).
Além de ruim da cabeça e alcoólatra, Pedro (o único marido de Catarina, a Grande)
era – e nada teve a ver com os três filhos que ela deu à luz enquanto estiveram casados.
Paul Bern, o segundo marido de Jean Harlow, praticamente confessou ao mundo que também era ao falar de sua “abjeta humilhação” no bilhete de despedida que escreveu antes de encharcar o corpo nu com Mitsouko (o perfume favorito da mulher) e meter uma bala calibre 38 na cabeça – morte que teve tudo a ver com o fato de só conseguirem fazer sexo usando
um pênis artificial engenhosamente provido de testículos e de uma bombinha que
jorrava água na hora H.
O dr. Reginald Gates, primeiro marido de Marie Stopes – por ironia, uma das pioneiras na luta pelo controle da natalidade na Grã-Bretanha –, não confessou nada, mas calou quando a mulher testemunhou diante de uma corte londrina, em 1916, que continuava virgem depois de cinco anos de casada. Contou que durante aquele tempo todo só umas três vezes, no máximo, viu acontecer alguma coisa que lembrasse remotamente um comecinho de ereção. Marie obteve o divórcio que pedia à Justiça. Tinha então 37 anos e o chamado "dedo podre" para homens.
Antes do dr. Gates, o único homem que conhecera foi um botânico japonês casado, Kenjiro Fujii, que por motivos culturais achava o beijo um hábito ocidental nojento e, sabe-se lá por que outros motivos, durante cinco anos de relacionamento jamais transou com ela. Depois do dr. Gates, Marie se casou de novo, perdeu finalmente a virgindade e até teve um filho, mas também esse marido não era lá muito fanático por sexo. Era, porém, mais esperto do que o primeiro: para evitar vexames públicos, entregou a ela um documento no qual admitia ser inadequado para os prazeres do matrimônio e aceitava que cada um fosse viver a própria vida do jeito que bem entendesse.
O Führer estaria fu...
Consta que Hitler não era, mas mesmo que fosse ninguém jamais se atreveria a arrastá-lo às barras dos tribunais. Sorte dele, porque se tivesse nascido uns 300 anos antes, não poderia botar aquela banca toda. Qualquer mulher que resolvesse acusá-lo de não se garantir ganharia fácil, fácil. Até o século XVII, sujeitos roncolhos eram considerados inapelavelmente impotentes.
Pior: não passavam de eunucos, na opinião daqueles que aplicavam as leis dos homens e as leis de Deus. Com um único apetrecho (o direito) a balouçar solitário no meio das pernas, o Führer não conseguiria sequer ser aceito como postulante ao mais subalterno cargo público – vedado aos párias de sua laia. Pose de machão, vozeirão autoritário, bigodaço (que, por sinal, não era o caso de Herr Adolf) não bastavam para livrar a cara de um cidadão desprovido dos dois testículos regulamentares. Aliás, quem tinha os dois também não estava livre de passar vexame.
Naquela época, mesmo com tudo no lugar, o suspeito de impotência precisava provar – diante de, no mínimo, dois médicos e dois cirurgiões – que era capaz de ter e manter uma ereção, além de ejacular. Falhando em um dos três, estava desgraçado, já que especialistas e juristas consideravam que o verdadeiro espada era aquele que conseguia “erguer, entrar e molhar”, como elegantemente deixou bem claro o dr. Jacques Guillemeau em sua Obra Cirúrgica de 1649.
Muito cavalheiro perfeitamente equipado caiu na boca do povo e teve o nome arrastado na lama por fracassar na prova de virilidade. O “teste da água fria” foi um dos mais comuns durante toda a Idade Média: o pênis do “réu” ficava algum tempo submerso em água gelada e depois um médico, com aquela sem-cerimônia típica da profissão, punha-se a literalmente apertar o saco do infeliz, que à essa altura do compeonato tinha, na maioria esmagadora das vezes, desaparecido (o saco, não o infeliz).
Outra popular forma medieval de checar a masculinidade era menos dolorosa, porém, talvez mais vexaminosa: escolhia-se a dedo uma mulher indubitavelmente “honesta” que deveria tentar o pobre homem de todas as formas possíveis – exibindo os seios, beijando-o, acariciando seu pênis --, só que tudo isso na frente de um padre e da esposa do testado.
Fosse qual fosse o método, geralmente, a vaca ia para o brejo no quesito “manter a ereção”. Não é de admirar, em circunstâncias tão constrangedoras: assim que o membro do desgraçado ganhava algum sopro de vida, os examinadores se atiravam sobre ele para medir, apalpar, agarrar. Por que alguém se submeteria a isso? Por não ter outra alternativa. A invasão de privacidade era ordenada pelo Estado e pela Igreja sempre que uma mulher pedia a anulação do casamento acusando o marido de incapacidade conjugal.
Uma bolsa sem bolas
Ficou famoso na França o caso do barão d’Argenton – a esse, coitado, sequer foi dada a oportunidade de passar pela vexatória investigação. Bastou uma olhada para os examinadores decidirem contra ele. O barão “não tinha testículos exteriormente, mas como que uma bolsa sem bolas que se encolhia para dentro quando ele se curvava, de modo que não tinha senão um pênis, sendo este ainda muito mais curto do que o comum dos outros homens”.
Em desespero, o réu jurou por tudo quanto era sagrado que o que tanto procuravam existia, sim, “escondido dentro dele, como o fígado, os pulmões, o coração”; invocou testemunhas que tinham visto o lençol manchado de sangue de sua noite nupcial; chegou a apelar para o Papa. Enquanto isso, seu advogado apelava para a sabedoria de Aristóteles e do célebre médico Ambroise Paré, sumidades que garantiam não haver necessidade de testículos para a ereção. O tribunal não se abalou: d’Argenton era impotente e ponto final.
Só quatro anos depois, quanto o pobre homem morreu, em 3 de fevereiro de 1604, a verdade pode, literalmente, ser trazida à tona. Paris inteira acorreu para acompanhar a autópsia, representantes das casas mais nobres postaram-se ao lado dos médicos legistas e...voilà, das entranhas do cadáver surgiram duas bolas em perfeitas condições. Com toda pompa e circunstância, o barão foi declarado potente postumamente. Quanto à ex-senhora baronesa, concluiu-se que criou toda aquela confusão levada pela “influência nefasta da mãe e os estímulos enganosos de uma imaginação frívola, já que o espírito da mulher, por sua imbecilidade, se torna facilmente suscetível a impressões sinistras”.
A reconstituição do crime
Não que as mulheres sempre saíssem desse tipo de processo lépidas, fagueiras e solteiras. Ao se apresentar diante de um tribunal, a queixosa deveria estar preparada para conseqüências bem piores do que ser chamada de imbecil – coisa a que, aliás, o mulherio estava acostumado desde priscas eras. Depois de virar o homem pelo avesso, se os especialistas continuassem em dúvida, podiam pedir a prova de virgindade. Quer dizer, era a vez de a suplicante se expor para parteiras e cirurgiões que exploravam suas partes íntimas com os dedos, velas, espelhos de útero (as matronas) e um pênis de cera (os doutores).
Apesar de degradante, tal exame pode parecer de fácil diagnóstico. Mas não era. Quem conhecia tão bem assim as múltiplas facetas do supervalorizado hímen para garantir com segurança que ele estava, não estava ou algum dia estivera lá? Como saber se a esperta paciente não teria usado algum artifício para fechar novamente “seu gabinete”? A trapaça podia ser consumada com receitas simples como vapor de um pouco de vinagre no qual se lançavam um pedaço de ferro ou um tijolo vermelho.
Caso o parecer lhe fosse desfavorável, ainda restava à mulher o recurso de se declarar disvirginada pela inabilidade dos próprios examinadores. Recurso extremo, na verdade, porque aí a coisa engrossava de vez. Diante de dupla dúvida, o jeito de resolver a pendência era partir para vias de fato: a prova da conjunção carnal. Uma espécie de reconstituição do crime ao vivo e em público.
Para muitos historiadores, tal prova teria sido fruto da perfídia masculina. Acreditava-se que a simples perspectiva de participar de semelhante indecência seria suficiente para desencorajar a mais insatisfeita das esposas. A erudição do padre Tomás Sanchez, respeitado teólogo e canonista do século XVII, parece provar, porém, que, dessa vez, os homens estavam inocentes. Segundo ele, o primeiro caso de teste de conjunção carnal teria acontecido no século XV, na Espanha, a propósito do processo de anulação de casamento movido por uma viúva evidentemente deflorada contra o segundo marido, homem evidentemente bem-dotado.
Percebendo que as autoridades competentes não decidiam nem saíam de cima por não atinar com uma forma de chegar à verdade, a mulher não teve dúvida: pediu que testemunhas fossem ver com os próprios olhos o que acontecia (ou melhor, não acontecia) em seu leito conjugal. Desprovido de qualquer espírito alcoviteiro, o bom padre não contou, infelizmente, como acabou a história.
A insensatez do belo marquês
É mais provável, no entanto, que esse tenha sido o primeiro caso de uma mulher fazer questão de partir para os finalmente diante de um seleto auditório. Porque no livro Chirurgia Magna, escrito no século XIV, o médico Guy de Chauliac já descrevia um procedimento comum nos processos de anulação chamado “congresso”: consisita em fazer o casal dormir junto por dias seguidos na presença de “uma matrona habituada a esses procedimentos, que deve ministrar-lhes especiarias e ervas aromáticas, confortá-los e untá-los com óleos mornos, massageá-los perto do fogo, mandar que falem um com o outro e que se abracem”. Depois, era obrigação dessa xereta profissional contar ao médico tudo que tinha acontecido – embora, com o passar do tempo, esse relatório se tornasse desnecessário, pois testemunhas é que não faltavam para o “espetáculo”.
Seja qual for a origem, o fato é que a prova da cópula foi praticada na Espanha, Inglaterra, Itália, Países Baixos e, principalmente, na França. Com pequenas variações, o ritual era o mesmo em todos os lugares, começando com uma inspeção minuciosa do corpo do casal (com especial atenção para o tamanho da abertura dos genitais femininos, de suma importância para futuras comparações) e terminando depois de algumas horas (ou dias), geralmente com o retumbante fracasso do marido. Convenhamos que seria necessário se garantir muito para ficar suficientemente excitado em tais circunstâncias, sem contar com o fato de que o infeliz estava na cama com uma inimiga disposta a tudo para ganhar a guerra.
Tristemente famoso ficou o belo marquês de Langey, pelo qual parisienses de todas as idades suspiravam. Empolgado com a tietagem, o insensato preferiu ignorar que as perícias lhe eram até então favoráveis e se ofereceu para a prova da conjunção carnal. Foi aquele frisson. No dia e hora marcados, a multidão que cercava o local da contenda era tamanha que foi preciso chamar a polícia para abrir caminho à chegada dos 15 peritos, do sorridente marquês e da mui digna marquesa, que em nenhum momento se deixou perturbar pelas vaias.
Quatro horas depois, sem conseguir dar conta do recado, o homem estava um bagaço, mas ainda não se dava por vencido: a humilhante apatia de seu membro só podia ser explicada por feitiçarias da megera. Caso típico de um sujeito que não sabe quando parar, exigiu uma segunda prova. Que destruiu de vez sua reputação. No dia 8 de fevereiro de 1659, o Parlamento de Paris declarou Langey oficialmente impotente, anulou seu casamento e o condenou a devolver o dote à mulher. Criatura sem dúvida dotada de grande sangue-frio e peculiar senso de justiça, pois ao morrer, 11 anos depois, confessou no testamento que tudo não passara de uma grande mentira.
Reviravolta que deixou os juízes com a cara no chão e acabou provocando o fim da prova de cópula nas causas de divórcio.
Além de ruim da cabeça e alcoólatra, Pedro (o único marido de Catarina, a Grande)
era – e nada teve a ver com os três filhos que ela deu à luz enquanto estiveram casados.
Paul Bern, o segundo marido de Jean Harlow, praticamente confessou ao mundo que também era ao falar de sua “abjeta humilhação” no bilhete de despedida que escreveu antes de encharcar o corpo nu com Mitsouko (o perfume favorito da mulher) e meter uma bala calibre 38 na cabeça – morte que teve tudo a ver com o fato de só conseguirem fazer sexo usando
um pênis artificial engenhosamente provido de testículos e de uma bombinha que
jorrava água na hora H.
O dr. Reginald Gates, primeiro marido de Marie Stopes – por ironia, uma das pioneiras na luta pelo controle da natalidade na Grã-Bretanha –, não confessou nada, mas calou quando a mulher testemunhou diante de uma corte londrina, em 1916, que continuava virgem depois de cinco anos de casada. Contou que durante aquele tempo todo só umas três vezes, no máximo, viu acontecer alguma coisa que lembrasse remotamente um comecinho de ereção. Marie obteve o divórcio que pedia à Justiça. Tinha então 37 anos e o chamado "dedo podre" para homens.
Antes do dr. Gates, o único homem que conhecera foi um botânico japonês casado, Kenjiro Fujii, que por motivos culturais achava o beijo um hábito ocidental nojento e, sabe-se lá por que outros motivos, durante cinco anos de relacionamento jamais transou com ela. Depois do dr. Gates, Marie se casou de novo, perdeu finalmente a virgindade e até teve um filho, mas também esse marido não era lá muito fanático por sexo. Era, porém, mais esperto do que o primeiro: para evitar vexames públicos, entregou a ela um documento no qual admitia ser inadequado para os prazeres do matrimônio e aceitava que cada um fosse viver a própria vida do jeito que bem entendesse.
O Führer estaria fu...
Consta que Hitler não era, mas mesmo que fosse ninguém jamais se atreveria a arrastá-lo às barras dos tribunais. Sorte dele, porque se tivesse nascido uns 300 anos antes, não poderia botar aquela banca toda. Qualquer mulher que resolvesse acusá-lo de não se garantir ganharia fácil, fácil. Até o século XVII, sujeitos roncolhos eram considerados inapelavelmente impotentes.
Pior: não passavam de eunucos, na opinião daqueles que aplicavam as leis dos homens e as leis de Deus. Com um único apetrecho (o direito) a balouçar solitário no meio das pernas, o Führer não conseguiria sequer ser aceito como postulante ao mais subalterno cargo público – vedado aos párias de sua laia. Pose de machão, vozeirão autoritário, bigodaço (que, por sinal, não era o caso de Herr Adolf) não bastavam para livrar a cara de um cidadão desprovido dos dois testículos regulamentares. Aliás, quem tinha os dois também não estava livre de passar vexame.
Naquela época, mesmo com tudo no lugar, o suspeito de impotência precisava provar – diante de, no mínimo, dois médicos e dois cirurgiões – que era capaz de ter e manter uma ereção, além de ejacular. Falhando em um dos três, estava desgraçado, já que especialistas e juristas consideravam que o verdadeiro espada era aquele que conseguia “erguer, entrar e molhar”, como elegantemente deixou bem claro o dr. Jacques Guillemeau em sua Obra Cirúrgica de 1649.
Muito cavalheiro perfeitamente equipado caiu na boca do povo e teve o nome arrastado na lama por fracassar na prova de virilidade. O “teste da água fria” foi um dos mais comuns durante toda a Idade Média: o pênis do “réu” ficava algum tempo submerso em água gelada e depois um médico, com aquela sem-cerimônia típica da profissão, punha-se a literalmente apertar o saco do infeliz, que à essa altura do compeonato tinha, na maioria esmagadora das vezes, desaparecido (o saco, não o infeliz).
Outra popular forma medieval de checar a masculinidade era menos dolorosa, porém, talvez mais vexaminosa: escolhia-se a dedo uma mulher indubitavelmente “honesta” que deveria tentar o pobre homem de todas as formas possíveis – exibindo os seios, beijando-o, acariciando seu pênis --, só que tudo isso na frente de um padre e da esposa do testado.
Fosse qual fosse o método, geralmente, a vaca ia para o brejo no quesito “manter a ereção”. Não é de admirar, em circunstâncias tão constrangedoras: assim que o membro do desgraçado ganhava algum sopro de vida, os examinadores se atiravam sobre ele para medir, apalpar, agarrar. Por que alguém se submeteria a isso? Por não ter outra alternativa. A invasão de privacidade era ordenada pelo Estado e pela Igreja sempre que uma mulher pedia a anulação do casamento acusando o marido de incapacidade conjugal.
Uma bolsa sem bolas
Ficou famoso na França o caso do barão d’Argenton – a esse, coitado, sequer foi dada a oportunidade de passar pela vexatória investigação. Bastou uma olhada para os examinadores decidirem contra ele. O barão “não tinha testículos exteriormente, mas como que uma bolsa sem bolas que se encolhia para dentro quando ele se curvava, de modo que não tinha senão um pênis, sendo este ainda muito mais curto do que o comum dos outros homens”.
Em desespero, o réu jurou por tudo quanto era sagrado que o que tanto procuravam existia, sim, “escondido dentro dele, como o fígado, os pulmões, o coração”; invocou testemunhas que tinham visto o lençol manchado de sangue de sua noite nupcial; chegou a apelar para o Papa. Enquanto isso, seu advogado apelava para a sabedoria de Aristóteles e do célebre médico Ambroise Paré, sumidades que garantiam não haver necessidade de testículos para a ereção. O tribunal não se abalou: d’Argenton era impotente e ponto final.
Só quatro anos depois, quanto o pobre homem morreu, em 3 de fevereiro de 1604, a verdade pode, literalmente, ser trazida à tona. Paris inteira acorreu para acompanhar a autópsia, representantes das casas mais nobres postaram-se ao lado dos médicos legistas e...voilà, das entranhas do cadáver surgiram duas bolas em perfeitas condições. Com toda pompa e circunstância, o barão foi declarado potente postumamente. Quanto à ex-senhora baronesa, concluiu-se que criou toda aquela confusão levada pela “influência nefasta da mãe e os estímulos enganosos de uma imaginação frívola, já que o espírito da mulher, por sua imbecilidade, se torna facilmente suscetível a impressões sinistras”.
A reconstituição do crime
Não que as mulheres sempre saíssem desse tipo de processo lépidas, fagueiras e solteiras. Ao se apresentar diante de um tribunal, a queixosa deveria estar preparada para conseqüências bem piores do que ser chamada de imbecil – coisa a que, aliás, o mulherio estava acostumado desde priscas eras. Depois de virar o homem pelo avesso, se os especialistas continuassem em dúvida, podiam pedir a prova de virgindade. Quer dizer, era a vez de a suplicante se expor para parteiras e cirurgiões que exploravam suas partes íntimas com os dedos, velas, espelhos de útero (as matronas) e um pênis de cera (os doutores).
Apesar de degradante, tal exame pode parecer de fácil diagnóstico. Mas não era. Quem conhecia tão bem assim as múltiplas facetas do supervalorizado hímen para garantir com segurança que ele estava, não estava ou algum dia estivera lá? Como saber se a esperta paciente não teria usado algum artifício para fechar novamente “seu gabinete”? A trapaça podia ser consumada com receitas simples como vapor de um pouco de vinagre no qual se lançavam um pedaço de ferro ou um tijolo vermelho.
Caso o parecer lhe fosse desfavorável, ainda restava à mulher o recurso de se declarar disvirginada pela inabilidade dos próprios examinadores. Recurso extremo, na verdade, porque aí a coisa engrossava de vez. Diante de dupla dúvida, o jeito de resolver a pendência era partir para vias de fato: a prova da conjunção carnal. Uma espécie de reconstituição do crime ao vivo e em público.
Para muitos historiadores, tal prova teria sido fruto da perfídia masculina. Acreditava-se que a simples perspectiva de participar de semelhante indecência seria suficiente para desencorajar a mais insatisfeita das esposas. A erudição do padre Tomás Sanchez, respeitado teólogo e canonista do século XVII, parece provar, porém, que, dessa vez, os homens estavam inocentes. Segundo ele, o primeiro caso de teste de conjunção carnal teria acontecido no século XV, na Espanha, a propósito do processo de anulação de casamento movido por uma viúva evidentemente deflorada contra o segundo marido, homem evidentemente bem-dotado.
Percebendo que as autoridades competentes não decidiam nem saíam de cima por não atinar com uma forma de chegar à verdade, a mulher não teve dúvida: pediu que testemunhas fossem ver com os próprios olhos o que acontecia (ou melhor, não acontecia) em seu leito conjugal. Desprovido de qualquer espírito alcoviteiro, o bom padre não contou, infelizmente, como acabou a história.
A insensatez do belo marquês
É mais provável, no entanto, que esse tenha sido o primeiro caso de uma mulher fazer questão de partir para os finalmente diante de um seleto auditório. Porque no livro Chirurgia Magna, escrito no século XIV, o médico Guy de Chauliac já descrevia um procedimento comum nos processos de anulação chamado “congresso”: consisita em fazer o casal dormir junto por dias seguidos na presença de “uma matrona habituada a esses procedimentos, que deve ministrar-lhes especiarias e ervas aromáticas, confortá-los e untá-los com óleos mornos, massageá-los perto do fogo, mandar que falem um com o outro e que se abracem”. Depois, era obrigação dessa xereta profissional contar ao médico tudo que tinha acontecido – embora, com o passar do tempo, esse relatório se tornasse desnecessário, pois testemunhas é que não faltavam para o “espetáculo”.
Seja qual for a origem, o fato é que a prova da cópula foi praticada na Espanha, Inglaterra, Itália, Países Baixos e, principalmente, na França. Com pequenas variações, o ritual era o mesmo em todos os lugares, começando com uma inspeção minuciosa do corpo do casal (com especial atenção para o tamanho da abertura dos genitais femininos, de suma importância para futuras comparações) e terminando depois de algumas horas (ou dias), geralmente com o retumbante fracasso do marido. Convenhamos que seria necessário se garantir muito para ficar suficientemente excitado em tais circunstâncias, sem contar com o fato de que o infeliz estava na cama com uma inimiga disposta a tudo para ganhar a guerra.
Tristemente famoso ficou o belo marquês de Langey, pelo qual parisienses de todas as idades suspiravam. Empolgado com a tietagem, o insensato preferiu ignorar que as perícias lhe eram até então favoráveis e se ofereceu para a prova da conjunção carnal. Foi aquele frisson. No dia e hora marcados, a multidão que cercava o local da contenda era tamanha que foi preciso chamar a polícia para abrir caminho à chegada dos 15 peritos, do sorridente marquês e da mui digna marquesa, que em nenhum momento se deixou perturbar pelas vaias.
Quatro horas depois, sem conseguir dar conta do recado, o homem estava um bagaço, mas ainda não se dava por vencido: a humilhante apatia de seu membro só podia ser explicada por feitiçarias da megera. Caso típico de um sujeito que não sabe quando parar, exigiu uma segunda prova. Que destruiu de vez sua reputação. No dia 8 de fevereiro de 1659, o Parlamento de Paris declarou Langey oficialmente impotente, anulou seu casamento e o condenou a devolver o dote à mulher. Criatura sem dúvida dotada de grande sangue-frio e peculiar senso de justiça, pois ao morrer, 11 anos depois, confessou no testamento que tudo não passara de uma grande mentira.
Reviravolta que deixou os juízes com a cara no chão e acabou provocando o fim da prova de cópula nas causas de divórcio.
Por causa do “dedo podre”, Marie Stopes quase morreu tão
virgem quanto Lewis Carroll . Por sua “abjeta humilhação”, Paul Bern preferiu a
morte e deixou Jean Harlow mais uma vez na mão. Kant achava que não era capaz
de dar conta do recado, mas estava enganado. Na cama, o vitorioso Eisenhower fracassava,
garantiu a amante. Quanto ao derrotado Hitler, ninguém colocou em dúvida sua
macheza, mas sabe-se que era fisicamene “prejudicado”.