OS SEM SEXO
Apesar de não ter nascido ontem, ainda levo tremendos sustos com certos fatos da vida. Estou falando daquelas coisas que a gente até sabe que existem, mas fica besta quando dá de cara com elas. É o caso de uma tal de Aven (sigla de uma rede mundial de... não vou dizer agora para não estragar a surpresa) que desde 2001 vem ajudando um bocado de gente a sair do armário. Logo imaginamos que esse pessoal deve fazer coisas de arrepiar os cabelos e resolveu finalmente escancarar para ver o que acontece. Mas é exatamente o oposto: os “avens” não fazem nada de nada, são assexuados assumidos e, garantem, estão felizes da vida assim.
Deixe-me esclarecer antes de mais nada uma das poucas coisas das quais se queixam: trata-se de uma orientação sexual (ou não-sexual, se preferir). Nada tem a ver com não ter encontrado a pessoa certa, a religião não permitir, morrer de medo ou outro tipo de neura. Não transam porque não sentem vontade. E isto é muito mais comum do que sonha nossa vã filosofia. Só para dar uma idéia, a Asexual Visibility and Education Network , que não é a única mas é a maior organização do gênero, tem 40 mil membros registrados (12 mil deles na América Latina). Só não tem mais, segundo os responsáveis, por causa da conotação pejorativa que ainda ronda a palavra assexuado.
Vejamos alguns números recentes. Por aqui, a falta de desejo sexual afeta 8,2% das mulheres e 2,1% dos homens, de acordo com pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP), feita em 2003 com
7 103 brasileiros. Em 2009, o Datafolha descobriu, numa enquete nacional, que 5% da garotada de 18 e 24 anos não viam a menor graça no sexo; 23% dos 1 888 entrevistados eram casados e passavam oito meses sem transar; a maior parte dos sem sexo tinha entre 30 e 65 anos. No último estudo vindo da Inglaterra, 1% dos 18 mil entrevistados confessou jamais ter se sentido sexualmente atraído por alguém. Se a gente projetar tal percentagem para toda a população adulta...
Mas então é doença das brabas, pensará você. Aí reside o motivo para muitos assexuados continuarem enrustidos. Os especialistas só se dignaram a tomar conhecimento deles oficialmente no final dos anos 70 e foram parar imediatamente no catálogo de doenças mentais da Associação Americana de Psiquiatria como portadores de Síndrome do Desejo Sexual Hipoativo, um desvio. O problema – se realmente existe algum – está no fato de as pessoas (inclusive os especialistas) acharem mais fácil entender até as mais extravagantes variações do desejo do que nenhum desejo. Ainda mais, quando sabem que os assexuados têm ereção e respondem a estímulos físicos com lubrificação genital; só que a coisa é meramente mecânica, não há sentimentos envolvidos, a excitação não está relacionada com ninguém ou nada em particular.
Nestes tempos de supervalorização da sensualidade, parecem mesmo uma gente muito estranha. Mas uma das pessoas que mais entendem do assunto, a psicóloga canadense Lori Brotto, da Universidade de British Columbia, acha um absurdo acreditar que são uma cambada de insensíveis, sem as mesmas necessidades do resto dos mortais. Numa pesquisa de 2008, descobriu que 77% das mulheres e 80% dos homens que declararam fazer parte do bloco dos sem sexo costumam se masturbar. E que pelo menos um deles encarava a coisa com senso de humor. Fazia sexo solitário pelo mesmo motivo de todo mundo: “para limpar os encanamentos”.