XÔ, BICHO!!!!
A gente nem imagina quantos dissabores
vai ter por causa dos mais variados animaizinhos simpáticos.

Suprema ironia é quando a mão que
balança o berço do predador é a nossa. Galinhas caipiras – criadas soltas no
terreiro – proporcionam carne de primeira e ovos com gemas de um amarelo
vangoguiano. Mas não deixam semente sobre semente de quase nada que você
pretenda ver crescer na horta ou no jardim.
Tem especial predileção por plantinhas tenras, aquelas que a gente cultiva em saquinhos até estarem prontas para serem transferidas e sobreviver no lugar definitivo. Melhor seria dizer a última morada porque lá as pobres sucumbem sob o bico de futuros galetos e canjas. Inútil bancar a esperta plantando mudas taludas, quase do tamanho das desapiedadas penosas – dependendo da muda, o gigantismo só lhes abre o apetite.
Não sei quanto às dos vizinhos, mas as minhas galinhas são luxentas; ciscar atrás de minhocas, só em último caso. Os passarinhos tiveram indigestão com o milho jogado no terreiro para elas, enquanto as desgraçadas se banqueteavam com os crisântemos e os monsenhores, até não ficar um para contar a história. Descobriram em seguida os hibiscos, mas aí, por alguma insondável razão, foram seletivas: só deram fim nos amarelos, lilases e brancos, nem chegaram perto dos rosados e vermelhos, mais comuns.
E não foi por fastio. Estou convencida de que foi por pura perversidade, pois tinham caixa para dizimar ainda todas as hortaliças que escaparam da fúria consumidora das “vaquinhas” – inseto abominável que, como as caipiras, só não se atreve a atacar as pimentas. De modo que tivemos colheita abundante de pimentas e praticamente nenhuma folha, tubérculo ou raiz comestíveis para temperar com elas. Diante disso, a especialidade da casa – por uma questão de economia, justiça e vingança – passou a ser galinha ao molho apimentado.
Tem especial predileção por plantinhas tenras, aquelas que a gente cultiva em saquinhos até estarem prontas para serem transferidas e sobreviver no lugar definitivo. Melhor seria dizer a última morada porque lá as pobres sucumbem sob o bico de futuros galetos e canjas. Inútil bancar a esperta plantando mudas taludas, quase do tamanho das desapiedadas penosas – dependendo da muda, o gigantismo só lhes abre o apetite.
Não sei quanto às dos vizinhos, mas as minhas galinhas são luxentas; ciscar atrás de minhocas, só em último caso. Os passarinhos tiveram indigestão com o milho jogado no terreiro para elas, enquanto as desgraçadas se banqueteavam com os crisântemos e os monsenhores, até não ficar um para contar a história. Descobriram em seguida os hibiscos, mas aí, por alguma insondável razão, foram seletivas: só deram fim nos amarelos, lilases e brancos, nem chegaram perto dos rosados e vermelhos, mais comuns.
E não foi por fastio. Estou convencida de que foi por pura perversidade, pois tinham caixa para dizimar ainda todas as hortaliças que escaparam da fúria consumidora das “vaquinhas” – inseto abominável que, como as caipiras, só não se atreve a atacar as pimentas. De modo que tivemos colheita abundante de pimentas e praticamente nenhuma folha, tubérculo ou raiz comestíveis para temperar com elas. Diante disso, a especialidade da casa – por uma questão de economia, justiça e vingança – passou a ser galinha ao molho apimentado.
Na série “bichos que devoram tudo que você achava que ia
comer”, a lontra ocupa papel de destaque pela desfaçatez com que ataca a sua
propriedade e o estrago que faz nela. Trata-se de animal fisicamente até
engraçadinho (de lustrosos pelos castanho-acinzentados e rabo compridão), mas
desprovido de caráter. Um predador por excelência, estraçalha as vítimas para
comer apenas a carne mais tenra do peito – embora eu desconfie seriamente de
que também o faça por puro esporte, pois muitas vezes mata e não come nada. Os
ecologistas – não me pergunte por quê – são loucos por lontras. Agora, pergunte
o que um criador sente por elas.
As criminosas esgueiram-se geralmente à noite e o galinheiro ou cercado precisaria ser um bunker para mantê-las do lado de fora. Não acabam só com as galinhas mais rechonchudas e promissoras. Despedaçam também os sonhos e o orgulho de gente da cidade metida a besta – isto é, metida a sitiante. Você pensa assim: agora que vou morar no mato, me aguardem! Terei patos, gansos, marrecos, faisões. Nada muito ambicioso, um casal de cada está bom demais para começar. O olhar do dono é que faz a diferença. Tive um casal de cada, mas pouquíssima oportunidade de botar o olho neles. As lontras deram cabo de todos em uma semana – os gansos, coitados, foram as primeiras vítimas, só duraram uma noite. Dessa forma, risquei para todo o sempre os supérfluos bípedes emplumados de minha nova vida e cultivarei até a morte o mais negro rancor contra todas as gerações de lontras, passadas e futuras. |
A gente pode se decepcionar até com sonhos que jamais
acalentou. Nunca fui chegada à imagem bucólica de tomar leite ao pé da vaca.
Até porque, odeio leite e na única vez em que cheguei ao pé de uma vaca, a
bicha brindou o meu pé com outros
produtos também de sua autoria.
Mas escapar da tentação de ter gado pastando placidamente nas suas terras... quem há de? É tão emblemático como construir um fogão à lenha e uma lareira. Com a diferença de que o fogão e a lareira tem serventia. A menos que você seja o feliz possuidor de acres a perder de vista, peonada em grande número e vasta conta bancária – e não muito pelo contrário --, adquirir algumas vaquinhas (ou mesmo uma única vaca) pode significar embarcar na maior canoa furada. Para começo de conversa, porque o leite que ela(s) eventualmente lhe fornecer(em) custará os olhos da cara.Ou mais. |
Quando estivemos em Madri, eu e
meu marido ficamos hospedados num flat
porque tudo que ele mais queria era preparar uma paella com as próprias mãos e aqueles magníficos frutos do mar
locais. Na hora de arrumar as malas, descobrimos no armário da cozinha um
pacote de um quilo de arroz fechadinho. Colocamos o recuerdo na bagagem e pela primeira vez na vida tivemos de pagar
excesso de peso – um quilo a mais, que nos custou algo em torno de 20 a 30
dólares, não me lembro a quantia exata. Só sei que já estávamos sobrevoando o
Atlântico quando nos demos conta de que levávamos para casa o quilo de arroz
mais caro de todos os tempos.
Pois cada litro de leite que você tira da(s) sua(s) vaquinha(s) dá de dez a zero em matéria de preço exorbitante no meu arroz espanhol. Porque no chamado custo-benefício é preciso incluir forragem (o pasto nunca é suficiente), nutrientes diversos receitados pelo veterinário, vacinas, remédios para os males mais variados que atacam as bichinhas mesmo que você as trate a pão-de-ló (o que não está longe da verdade) e uma graninha por fora para que alguém cuide delas.
Além disso, é da natureza das vacas produzir bosta de vaca. Não é que elas simplesmente – com licença da palavra – caguem. Elas cagam sem parar. E aí reside o problema. No começo você se entusiasma, se orgulha e se ilude com a qualidade e quantidade do estrume que terá para adubar tudo. Rapidamente percebe que esse tudo pode ser o município inteiro. Passa a oferecer estrume de graça para os vizinhos, implora para que venham buscar, considera seriamente a possibilidade de pagar a eles para livrá-la do monturo escaldante.
No auge do desespero, agarrei-me à lembrança dos campos indianos, onde o que poderíamos chamar de casas populares são inteiramente construídas com rodilhas de bosta de vaca. Matéria-prima não me faltava para erigir um pequeno povoado. Fui salva do surto de insanidade temporária por outra lembrança: na Índia, as vacas são sagradas, mas no meu sítio entra quem eu quiser. E botei as bichas porteira afora, sob a ameaça de serem abatidas a tiros caso tentassem voltar.
Pois cada litro de leite que você tira da(s) sua(s) vaquinha(s) dá de dez a zero em matéria de preço exorbitante no meu arroz espanhol. Porque no chamado custo-benefício é preciso incluir forragem (o pasto nunca é suficiente), nutrientes diversos receitados pelo veterinário, vacinas, remédios para os males mais variados que atacam as bichinhas mesmo que você as trate a pão-de-ló (o que não está longe da verdade) e uma graninha por fora para que alguém cuide delas.
Além disso, é da natureza das vacas produzir bosta de vaca. Não é que elas simplesmente – com licença da palavra – caguem. Elas cagam sem parar. E aí reside o problema. No começo você se entusiasma, se orgulha e se ilude com a qualidade e quantidade do estrume que terá para adubar tudo. Rapidamente percebe que esse tudo pode ser o município inteiro. Passa a oferecer estrume de graça para os vizinhos, implora para que venham buscar, considera seriamente a possibilidade de pagar a eles para livrá-la do monturo escaldante.
No auge do desespero, agarrei-me à lembrança dos campos indianos, onde o que poderíamos chamar de casas populares são inteiramente construídas com rodilhas de bosta de vaca. Matéria-prima não me faltava para erigir um pequeno povoado. Fui salva do surto de insanidade temporária por outra lembrança: na Índia, as vacas são sagradas, mas no meu sítio entra quem eu quiser. E botei as bichas porteira afora, sob a ameaça de serem abatidas a tiros caso tentassem voltar.
Expulsas as fábricas de bosta,
fica, porém, o problema do vasto material já produzido. Embora desprovido de
fedor capaz de agredir a sensibilidade humana, esse tipo de caca é um
verdadeiro ímã para os mais nojentos insetos homiziados num raio de pelo menos
um quilômetro.
E não adianta limpar o mictório das cagonas até ficar um brinco, pois o cheiro que você já não sente continua no ar durante dias, atraindo, por exemplo, varejeiras furta-cores, que invadem o ex-curral e, de lá, a casa da gente, zumbindo em decibéis desproporcionais ao seu tamanho (e olha que elas são avantajadas). Felizmente, são também lerdas. Mantendo olhos e ouvidos em alerta, você consegue pegar as filhas da... quando pousam em alguma coisa – e pousam em tudo. Mas a pior herança que suas vaquinhas podem deixar é a mosca do berne. Igualmente lerdíssima, mata-se a amaldiçoada com facilidade. O problema é que ela não se apressa em fugir porque precisa, primeiro, terminar um trabalhinho sujo: deixar uma larva sob a pele da gente. Não vou entrar em desnecessários detalhes dantescos. Para compreender a extensão da tragédia, basta você saber que o tal bichinho, qual um alien, vai crescendo dentro do hospedeiro, provocando febre e outros sintomas de infecção. |
Até hoje só vi um tratamento dar certo: cobrir o local com pedaços
de toucinho (toucinho mesmo, de porco, aquele que se compra no açougue) para
atrair as “coisas” para fora. Decididamente medieval e nojento. E não pense que
se trata de meizinha caipira. Foi exatamente isso – “entoucinhar-se” toda – que
um especialista carioca receitou à minha mãe, jardineira entusiasta que se
meteu no mato atrás da casa, catando avencas e samambaias silvestres, e voltou
com 7 (sete!) bernes pelo corpo.
Já em bichos, o que funciona é óleo queimado de motor, associado ou não a um pozinho veterinário -- na verdade, um veneno -- chamado Neguvon, de cheiro insuportável. Claro, é preciso pajear o paciente para arrancar-lhe os intrusos na hora H em que botam a cabeça de fora. Serviço dos mais desagradáveis e até arriscado, se o animal em questão é um burro desacostumado às agruras da vida, como o nosso Salomão. Comprado para literalmente ser um burro de carga, Salomão tornou-se o serviçal mais folgado de toda a zona rural do Alto Vale do Paraíba. Sua doçura natural e nossa total falta de autoridade para colocá-lo no batente acabaram transformando o futuro peão numa espécie de bichinho de estimação, um come-e-dorme gordo, preguiçoso, pelo castanho escuro reluzente. Uma belezura... não fossem os bernes.
“Bicho escuro é assim mesmo, atrai a mosca”, pontificou pequeno pecuarista da vizinhança. Considerando a experiência do sujeito e o fato de nosso vira-lata preto, Stalin, estar infestado de aliens, levamos a lição ao pé da letra. Na hora de escolher um cão de guarda feroz e latidor, não olhamos para raça, mas para a cor: tinha de ser branco.Na manhã em que o alvíssimo novo morador do sítio apareceu coberto de caroços – inequívoco sinal de que os bernes estavam fazendo a festa –, bateu o desespero. Mergulhamos na leitura de todos os livros e revistas rurais colecionados ao longo dos anos para o dia em que a gente fosse morar no mato. Infelizmente, não foram de grande ajuda. A única informação relevante que encontramos mostrou-se desalentadora. A mosca que nos atormentava é típica do neotrópico, região que vai do México à Patagônia. Quer dizer, para escapar dela, só mudando de continente.
Diante disso, consideramos de bom alvitre parar de bancar os intelectuais auto-suficientes e pedir socorro ao serviço veterinário local. “Liga você, esse pessoal tem mais paciência com mulher”, esquivou-se meu marido, que, como se vê, ainda não tinha dado o braço inteiramente a torcer. Atendeu-me rapaz de finíssimo trato. Depois de ouvir todo o drama sem interromper uma única vez, ponderou, cheio de desdém na voz melosa: “Ora, minha senhora, berne é um problema de sujeira”.
Fiz votos de que sua genitora tivesse mudado de vida e, ato contínuo, o coloquei em segundo lugar na minha lista de seres do mato desprezíveis, logo depois das lontras.
Já em bichos, o que funciona é óleo queimado de motor, associado ou não a um pozinho veterinário -- na verdade, um veneno -- chamado Neguvon, de cheiro insuportável. Claro, é preciso pajear o paciente para arrancar-lhe os intrusos na hora H em que botam a cabeça de fora. Serviço dos mais desagradáveis e até arriscado, se o animal em questão é um burro desacostumado às agruras da vida, como o nosso Salomão. Comprado para literalmente ser um burro de carga, Salomão tornou-se o serviçal mais folgado de toda a zona rural do Alto Vale do Paraíba. Sua doçura natural e nossa total falta de autoridade para colocá-lo no batente acabaram transformando o futuro peão numa espécie de bichinho de estimação, um come-e-dorme gordo, preguiçoso, pelo castanho escuro reluzente. Uma belezura... não fossem os bernes.
“Bicho escuro é assim mesmo, atrai a mosca”, pontificou pequeno pecuarista da vizinhança. Considerando a experiência do sujeito e o fato de nosso vira-lata preto, Stalin, estar infestado de aliens, levamos a lição ao pé da letra. Na hora de escolher um cão de guarda feroz e latidor, não olhamos para raça, mas para a cor: tinha de ser branco.Na manhã em que o alvíssimo novo morador do sítio apareceu coberto de caroços – inequívoco sinal de que os bernes estavam fazendo a festa –, bateu o desespero. Mergulhamos na leitura de todos os livros e revistas rurais colecionados ao longo dos anos para o dia em que a gente fosse morar no mato. Infelizmente, não foram de grande ajuda. A única informação relevante que encontramos mostrou-se desalentadora. A mosca que nos atormentava é típica do neotrópico, região que vai do México à Patagônia. Quer dizer, para escapar dela, só mudando de continente.
Diante disso, consideramos de bom alvitre parar de bancar os intelectuais auto-suficientes e pedir socorro ao serviço veterinário local. “Liga você, esse pessoal tem mais paciência com mulher”, esquivou-se meu marido, que, como se vê, ainda não tinha dado o braço inteiramente a torcer. Atendeu-me rapaz de finíssimo trato. Depois de ouvir todo o drama sem interromper uma única vez, ponderou, cheio de desdém na voz melosa: “Ora, minha senhora, berne é um problema de sujeira”.
Fiz votos de que sua genitora tivesse mudado de vida e, ato contínuo, o coloquei em segundo lugar na minha lista de seres do mato desprezíveis, logo depois das lontras.