Durante décadas ou talvez quase dois séculos foi costume da imprensa brasileira publicar anúncios que agradeciam graças alcançadas por intermédio do Menino Jesus de Praga.
Entusiasmado pela história das palavras e expressões que constituem o patrimônio de nossa amada língua portuguesa, incluindo o seu cancioneiro religioso - este, ninguém ainda ousou denominar song book, horroroso neologismo vindo dos poderosos irmãos do Norte -, sempre me incomodou nossa mídia ter tão poucas editorias religiosas que informem coisas tão pertinentes. Pois sabem meus compadres que em 1997 publiquei um romance (mais um para ser esquecido pela mídia, como tantos de tantos companheiros de ofício) sobre Teresa d´Ávila, já levado ao teatro na década de 90, que longe vai, no palcos de São Paulo, com exibições em diversas cidades de outros estados. Nas pesquisas descobri que a imagem original desse Menino Jesus pertenceu a Santa Teresa d´Ávila, a primeira pessoa a vesti-lo como rei, com o globo terrestre na mão esquerda, envolto numa faixa de ouro, encimado por uma cruz, igualmente dourada, enquanto a mão direita está abençoando não se sabe quem (sim, o verbo abençoar é transitivo direto), pois o Menino não está olhando para o globo que tem nas mãos e, sim, para a frente. A indumentária da realeza do pequeno deus não dispensa a coroa, igualmente de ouro, na cabeça. Pois bem! Teresa D´Ávila deu esta imagem à princesa Polixene Lobkwitz, da Tchescolováquia (hoje, só Checa, pois a Eslováquia deu no pé). A moça um dia visitou o convento carmelita fundado naquela região pelo imperador Vilem de Rozumberk, em agradecimento à vitória obtida em batalha difícil. Católico não é para quem quer, é para quem pode, como diz Carlos Heitor Cony. Matamos e agradecemos a Deus a graça alcançada de termos matado quantos foram necessários para garantir a hegemonia de nossa santa fé! Aliás, Santa Fé é nome de várias localidades em nossa América, sendo também o nome da vila onde se passam vários romances de Erico Verissimo. Proclamamos que o maior mandamento é "amai-vos uns aos outros", mas ao longo da História ninguém matou mais do que nós. Verdades incômodas não devem ser esquecidas, pois os católicos de boa cepa não são bobos! O mais bobo dos cardeais fala ao menos seis ou sete línguas. A Igreja costuma entregar o governo de seus negócios a pessoas altamente qualificadas e por isso não adota a democracia! Nós já mudamos e não matamos ninguém por causa da fé. É verdade que de vez em quando a Igreja dá uns pescoções em alguns, como fez a meu conterrâneo Leonardo Boff, a quem infligiu castigos semelhantes aos impostos a Galileu Galilei, mas são desvios ocasionais, logo consertados. O papa Francisco já prometeu perdoar Boff! Sem mais digressões! O convento passava por dificuldades financeiras. Não se sabe o que a princesa fez com os monges carmelitas naquela visita, mas ficou registrado o que ela disse (também não é preciso contar tudo...): " meus queridos monges (ela usou o pronome possessivo...), eu vos dou o que de mais caro possuo (eu não disse?): honrai essa imagem do Menino Jesus e nada vos faltará." E o convento nunca mais passou necessidades. E isso se deu no século XVI! Uma réplica da imagem do Menino Jesus de Praga foi trazida pelos padres carmelitas e entronizada na Basílica de Santa Teresinha, no Rio. Xará da espanhola de Ávila, esta outra santa é francesa, filha de ricos, e foi a primeira santa fotografada em vida! Outra carmelita homônima dessas duas é Teresa dos Andes, que morreu aos vinte anos, em 1920, no esplendor da juventude, e foi canonizada pelo papa João Paulo II. Certa vez, na Bienal de São Paulo, nos anos 90, fui abordado por um membro da TFP que me oferecia um santinho desta santa chilena, aliás belíssima! Fingi devoção e perguntei à queima-roupa, com o fim de fazer graça para a moça da editora Siciliano, que me acompanhava nos autógrafos de "Teresa D´Ávila", a mando de Lígia Siciliano e Pedro Paulo de Sena Madureira: "Sou muito devoto de santas bonitas! Beleza e verdade estão juntas desde a antiguidade clássica. O senhor não tem um santinho de corpo inteiro desta belíssima serva de Deus? Ela até posou para uma revista de mulher pelada no Chile, para mostrar como as filhas de Deus são mais bonitas dos que as filhas dos homens, não posou?". O boquirroto homem, que nos chateara com o relato de mil e tantas graças alcançadas por intercessão (adoro esta palavra!) daquela santa chilena, boquifechou-se em copas, e nós seguimos nosso caminho, mas as gargalhadas da moça da Siciliano levaram o cara da TFP a nos ameaçar com o fogo do inferno na eternidade. Nem ligamos. A eternidade ia demorar. Estávamos preocupados com o que íamos fazer dali a pouco, isto é, aguardar eventuais leitores, sempre tão poucos em bienais do livro. O pessoal vai lá pra passear. Depois os organizadores somam o número de todos os estudantes que foram levados pelas professoras àqueles eventos e dizem que todas foram um sucesso. Uma delas, a Bienal de São Paulo de 2004, foi aberta com uma declaração do então presidente Lula, que cometeu duas gafes de uma só vez: disse que não lia, que preferia fazer exercício numa esteira; e, diante do então presidente da Câmara Brasileira do Livro, Osvaldo Siciliano, que o saudou como o primeiro presidente a abrir uma Bienal do Livro, disse: "Não sabia que era a primeira vez. Da próxima, então, não será mais a primeira". Não seria, de fato, pois ele é reincidente em declarações assim estapafúrdias. Ninguém está pedindo mais nada ao Menino Jesus de Praga ou eu estou desatualizado com os anúncios religiosos? |
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Julho 2015
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